domingo, 14 de abril de 2013

Séc. XVII e séc. XXI. Qual a diferença?



Lear: ... Agora, nossa alegria, embora a última e mais moça, por cujo amor juvenil os vinhedos da França e os prados da Borgonha disputam apaixonados; que poderás tu dizer que mereça um terço mais opulento do que o delas duas? Fala.

Cordélia: Nada, meu senhor.

Lear: Nada?

Cordélia: Nada.

Lear: Nada virá do nada. Fala outra vez.

Cordélia: Infeliz de mim que não consigo trazer meu coração até minha boca. Amo Vossa Majestade como é meu dever, nem mais nem menos.

Lear: Vamos, vamos, Cordélia: corrige um pouco tua resposta, senão prejudicas tua herança.

Cordélia: Meu bom senhor, tu me geraste, me educaste, amaste. Retribuo cumprindo o meu dever de obedecer-te, honrar-te, e amar-te acima de todas as coisas. Mas para que minhas irmãs têm os maridos se afirmam que amam unicamente a ti? Creio que, ao me casar, o homem cuja mão receber minha honra deverá levar também metade do meu amor, dos meus deveres e cuidados. Jamais me casarei como minhas irmãs, para continuar a amar meu pai - unicamente.

Lear: Mas, teu coração está no que dizes?

Cordélia: Está, meu bom senhor.

Lear: Tão jovem e tão dura?

Cordélia: Tão jovem, meu senhor, e verdadeira.

Lear: Pois se assim é, assim seja: tua verdade será então teu dote. Pelo sagrado resplendor do sol, pelos mistérios de Hécata, deusa do céu e do inferno, pelo negror da noite, por todos os giros das esferas celestes por cujos eflúvios passamos a existir ou deixamos de ser, renego aqui todas as minhas obrigações de pai, parentesco e afinidade de sangue, e, de hoje em diante, epara todo o sempre, te considero estranha a meu coração e a mim mesmo. Ao bárbaro Cita, e ao Canibal que transforma os filhos em alimento para satisfazer o apetite, darei em meu peito acolhida, piedade e proteção igual a ti, que não és mais minha filha.

King Lear | Shakespeare  | Ato 1  Cena 1 | Tradução: Millôr Fernandes



O começo da estória é, bem grosseiramente, sobre um rei que divide o seu reino em 3 e resolve dar um pedaço pra cada filha. Quando ele vai decidir qual filha vai ficar com qual parte, ele pede para que elas falem o quanto o amam. As duas primeira puxam um saco sem precedentes, já a última (que é o trecho acima) fala a verdade e nada mais. Ela ama o pai, como pai! Não idolatra ele, mas tem o apreço que lhe é devido. E por conta da sua sinceridade, é punida. Um pai que é tão rei que esqueceu de reparar na conduta de cada filha e resolve o destino de um reino na base da bajulação. Depois você lê o livro pra saber da história toda ou dá um google aí. (livro completo em português)

Aí você para, pensa no que acabou de ler, digere a informação e conclui que a vida é isso aí. Um monte de gente que não quer ouvir a verdade. A verdade da Cordélia era boa, mas não o suficiente pro ego inflado do pai dela. Afinal, ele era o Rei, não merecia menos do que veneração, né? 

Eu não sei se você é as filhas mais velhas ou a mais nova. Eu sei que eu sou um pouco de cada uma, depende do momento. Duro né? Eu não queria, mas às vezes eu sou. Não pra me beneficiar de alguma coisa, mas só pra não magoar mesmo ou então pra não entrar em discussão. Mas só em casos que não envolvam muita seriedade, o que não era esse. 

Tem também os "Reis Lears". Estão em um pedestal que sei lá quem colocou eles lá e não aceitam nada diferente do que eles pensam. Aceitam ouvir só o que convém e vivem a vida assim, bajulados e punindo quem não pensa como eles. Viver uma mentira é bem melhor, pois cada ser humano é um mundo e cada um monta o seu como quiser. Baseado em verdades, meias verdades, verdades inventadas, mentiras ou qualquer outra coisa que apareça. 

Ou então as pessoas não são nada disso e essa é só mais uma obra de ficção sem nenhum compromisso com a realidade. 

Só é bom lembrar que a gente sempre colhe o que planta. Tenha você o credo que tiver, acredite no que acreditar, tudo volta! O mundo é um moinho, já dizia Cartola. E se você conhece a estória até o final sabe bem que o moinho roda sem parar. 


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